domingo, 16 de dezembro de 2007

Entrevista ao Jornal "O Jogo" de 16 de Julho de 2007


"FC Porto ofereceu-me mais mas preferi ficar no Benfica"

David Luiz sente-se feliz no Benfica, mas quer mais. Muito mais. Quer juntar títulos ao carinho demonstrado pelos adeptos e chegar o mais rapidamente possível à selecção principal do Brasil. Pelo meio, o central revelou, em entrevista a O JOGO, que o FC Porto o tentou contratar recentemente, oferecendo-lhe um contrato superior ao do Benfica, mas, por uma questão de gratidão, preferiu continuar a vestir de vermelho.

Que análise faz, mais a frio, dos seus primeiros seis meses na Europa?
Estava na terceira divisão do Brasil antes de vir para um grande clube na Europa, onde sabia ter um prazo curto para mostrar o meu valor. Era uma oportunidade única na minha vida, e tinha de a aproveitar. Confesso que não esperava entrar tão cedo na equipa, mas felizmente correu tudo bem e mostrei o meu valor.

Quando deixou o Brasil, pensou que esta aventura lhe podia correr tão bem como realmente correu?
Um jogador tem de trabalhar sempre com o pensamento de que, de um dia para o outro, a sua vida pode mudar radicalmente. Isso aconteceu comigo. Estava na terceira divisão, tinha acabado de subir com a minha equipa para a segunda e fui convidado para ir para o Benfica. Seguiram-se as viagens, a apresentação, os treinos, e pouco depois estava na equipa inicial. E sabia que não podia desperdiçar aquelas oportunidades, sob pena de voltar para o Brasil.

Foram, como já disse, seis meses muito positivos no Benfica. No entanto, não conquistou nenhum título…
É verdade. Perdemos o Campeonato de uma forma estúpida e fomos eliminados da Taça UEFA num jogo em que a bola não queria entrar. No Campeonato, acredito que o perdemos nos jogos em casa. No final, olhamos para a classificação e constatamos que ficámos apenas a dois pontos do FC Porto, depois de termos perdido muitos pontos de uma forma estúpida. São esses erros que não podem acontecer esta época. Quero ser campeão e brigar com os grandes clubes na Liga dos Campeões.

Por falar em Liga de Campeões, se tudo correr bem na pré-eliminatória, vai estrear-se na mais importante prova de clubes a nível mundial…
É verdade. Sou ainda um miúdo e estava habituado a jogar videojogos com o Rui Costa, Nuno Gomes, Simão [!], e hoje estou ao lado deles.A nossa vida muda de um dia para o outro, e agora só me imagino a realizar grandes exibições, em Londres, com o Chelsea, ou noutro grande estádio qualquer.

Depois de seis meses de boas exibições, como recebeu a notícia de que ia renovar pelo Benfica?
Sabia que existia essa possibilidade, sobretudo depois de ter começado a jogar. Fiz uma boa época e fui compensado pelo Benfica com um bom contrato.

Mas falou-se, neste final de época, que o FC Porto lhe apresentou uma proposta ainda antes de renovar pelo Benfica. Isso corresponde à verdade?
Sim, é verdade. Eles quiseram contratar-me, mas optei por permanecer no Benfica, um clube que me recebeu muito bem e que aprendi a adorar durante estes últimos meses. A proposta do FC Porto até era melhor em termos financeiros, mas preferi continuar a evoluir no Benfica. Aliás, não foi só o FC Porto que me apresentou uma proposta nos últimos tempos: também houve dois clubes alemães que contactaram o meu empresário, mas a minha prioridade sempre foi o Benfica, com o qual renovei por mais cinco anos.

"Não" a mais um ano em branco

Fernando Santos já afirmou que, este ano, o Benfica tem de ser campeão, e o jovem central não poderia estar mais de acordo. "Tem mesmo de ser dessa forma, e temos é de pensar assim! Não podemos passar mais um ano em branco. Só os vencedores são recordados no futebol, nunca os perdedores, e temos de pensar dessa forma, pois só assim ganharemos. Há que passar esta responsabilidade para os jogadores, de forma a terem consciência da importância de conquistar títulos para o clube", atira, negando a teoria de existirem apenas três grandes em Portugal: "Não há favoritos. Temos de levar as nossas qualidades e empenho para dentro do campo em todos os jogos, pois só assim poderemos ser favoritos e vencer no final. E não há só essas três equipas [Benfica, Sporting e FC Porto] no campeonato português."

"Estreia com o Leiria foi o meu melhor jogo"

Fez os primeiros minutos com a camisola do Benfica no jogo com o PSG. Ainda se recorda daquela primeira parte?
Se me lembro... Naquele dia, aconteceu um pouco de tudo. Tudo começou no hotel, da parte da tarde, quando soubemos que o Katsouranis não podia jogar. Além disso, o Luisão também não estava muito bem. Nesse momento, percebi que me podia estrear naquela noite. Já estava à espera, mas, quando chegou a hora, foi diferente. Durante o aquecimento, passaram-me mil coisas pela cabeça. Estava ansioso por jogar, mas, ao mesmo tempo, com algum medo. Sabia que o meu futuro começava ali. E depois, quando entrei em campo, aconteceram aqueles dois golos do PSG. Parecia mesmo que o mundo estava a desabar sobre a minha cabeça, e já me estava a imaginar a regressar ao Brasil no dia seguinte, mas, e como já disse aos meus companheiros, não me estreei na primeira parte do jogo com o PSG, só "estive" em campo na segunda.

Mas aconteceu alguma coisa durante o intervalo que o fez mudar de atitude?
Todos queriam ajudar-me, falar comigo, mas eu não quis. Disse-lhes que não precisava e que só queria estar um pouco sozinho, no meu canto, a reflectir. Nesse momento, pedi forças a Deus, porque sabia que ia ter personalidade para dar a volta à situação e mostrar o meu futebol. Naquela altura, pensei que não podia desperdiçar a oportunidade, que tinha de voltar bem para a segunda parte, e foi isso que aconteceu. A minha caminhada no Benfica começou ali, naquele balneário.

O primeiro jogo a titular surgiu uns dias depois, com o Leiria…
Mas esse foi diferente: libertei-me da ansiedade e de tudo o que me podia prejudicar, porque estava no momento de concretizar o meu sonho. E não foram apenas aqueles dois meses que estive sem jogar no Benfica, foi a vida inteira a esperar por aquele momento. Soltei a adrenalina e realizei a minha melhor exibição no Benfica.

"Cresci 17 centímetros em apenas dois meses"

Uma das suas principais características prende-se com o facto de ser um jogador rápido. Sempre quis ser defesa?
Por acaso não [risos]. Quando jogava nos escalões de base, actuava no meio-campo, como médio-ofensivo, mas depois tive um problema de crescimento: em dois meses, cresci 17 centímetros. Tinha 16 anos, era pequeno e franzino e jogava habitualmente como número 10, precisamente por ser rápido e muito ágil, mas depois fracturei um pé e estive mais de dois meses sem jogar. Foi nessa altura que cresci e passei a calçar quatro números acima, do 39 para o 43. Comecei a recuar no terreno, primeiro para trinco e depois para defesa-central.

Quando chegou, Fernando Santos disse que precisava de tempo, mas, passados dois meses, já estava a jogar…
O mister ajudou-me muito e conversou sempre comigo. Explicou-me como se joga em Portugal e no Benfica e que era bem diferente do que estava habituado no Brasil, e eu sempre entendi as razões que me apresentava. Não me podia queimar e, nos primeiros tempos, retirou-me toda a pressão e deu-me muita tranquilidade.

Primeiro retirou-lhe pressão e responsabilidade, segundo me disse, mas, depois de ter começado a jogar, comparou-o a Ricardo Carvalho…
Fiquei muito feliz com essa comparação, porque ele é um grande jogador, mas também aumentou a minha responsabilidade. Felizmente, gosto de ter responsabilidade sobre os meus ombros, porque, se assim não fosse, tinha ido jogar xadrez em vez de futebol, onde não tenho de dar satisfações a ninguém.

"Viajei com duas calças na mala"

O que sentiu quando o seu empresário lhe comunicou que ia representar o Benfica?
Estava a realizar um bom trabalho no Vitória da Bahia, onde era titular há já algum tempo, mais precisamente desde os 18 anos. Em Setembro do ano passado, tive uma proposta para ir para a equipa B do Real Madrid. Fiquei radiante, mas depois acabou por não se concretizar, por falta de entendimento entre os clubes. Na altura, fiquei muito abatido, mas tive o apoio de todos os meus amigos, que me disseram para esperar que a oportunidade ia acabar por surgir.

Mas ainda se lembra do dia em que ficou a saber que vinha jogar no Benfica?
Lembro e muito bem. Num domingo, joguei de tarde pelo Vitória sem saber que ia ser o meu último jogo pelo clube. Umas horas mais tarde, estava em casa da minha namorada, quando o meu empresário me ligou e disse que tinha de viajar no dia seguinte para Portugal, porque ia assinar pelo Benfica. E, no dia seguinte, viajei apenas com duas calças e uma camisa na mala.

Jogar com o coração
David Luiz rapidamente conquistou a empatia dos adeptos benfiquistas. "Se calhar é pela forma como encaro os jogos, pela força e garra. Até parto uma perna se for preciso. Mais do que tudo, acho que é a forma como meto o coração nos jogos que conquista os adeptos", responde o defesa-central.

“Tenho qualidades para chegar à selecção principal”

Tem acontecido tudo muito rápido na sua carreira. Ainda há pouco tempo teve o privilégio de treinar com a selecção principal…
Foi fantástico. Estou a viver os meus sonhos de menino. O professor Dunga chamou-me para treinar e ainda por cima elogiou-me no final do treino. Fiquei feliz pelo que fiz nesse dia, pelos elogios do Dunga, mas, ao mesmo tempo, continuo consciente de que ainda tenho um longo caminho para percorrer e que preciso de continuar a trabalhar com a humildade de sempre para ser cada vez melhor.

E, depois da selecção Sub-20, acredita que pode chegar à equipa principal a breve prazo?
Vou ter de trabalhar primeiro no Benfica, mas não escondo que a selecção brasileira é mais do que um sonho: é um objectivo que quero cumprir na minha carreira. Tenho qualidades para chegar lá e vou trabalhar no Benfica com esse objectivo na mente.

Tem falado muito em sonhos. A nível de clube, o seu pára no Benfica?
Na vida de um jogador, nunca se sabe o que pode acontecer amanhã. Posso ficar mais dez anos no Benfica, como também posso sair. Até posso não jogar bem na próxima época e sair para um clube de menor relevância, como também posso estar a fazer uma grande temporada e ter outro clube que chegue ao Benfica e compre o meu passe. É tudo relativo. Vivo o momento, e a minha vida hoje é o Benfica, onde me sinto feliz e realizado.

"Anderson não está feliz"

O Benfica recusou recentemente uma proposta da Juventus por Luisão. Isso deixa-o feliz ou receoso com a concorrência?
O Luisão é um excelente jogador, um símbolo do clube, até pelo que já conseguiu fazer durante os últimos anos. Além disso, ajudou-me muito nos primeiros meses, e é bom ter jogadores como ele no clube. Ainda bem que o Benfica não o deixou sair.

Na época passada, nunca fez dupla com Luisão. Apesar disso, sente que partem os dois em vantagem por um lugar na equipa titular?
De maneira nenhuma. Se jogar mal no primeiro jogo da época, já toda a gente se esqueceu do que fiz na temporada passada. Estamos todos em igualdade de circunstâncias, mas uma coisa parece certa: este ano vamos ter um grupo muito forte.

Anderson já manifestou várias vezes a sua vontade de sair do clube. Na qualidade de companheiro de equipa, como analisa essa situação?
As pessoas têm o direito de procurar sempre a felicidade, e ele não está feliz. Se o Anderson fosse um jogador mau, ficava feliz por ele se ir embora, mas, como estamos a falar de um grande jogador, gostava de continuar a tê-lo na minha equipa. É um amigo que tenho, mas toda a gente sabe que ele não está feliz no Benfica. Não só na parte desportiva, mas também na sua vida social.

Anderson referiu recentemente que preferia jogar sobre a direita e que foi prejudicado por ter jogado pelo lado esquerdo. O que pensa sobre o assunto?
Pessoalmente, não tenho preferência. No Brasil, joguei sempre pela esquerda, mas também já fiz alguns jogos pela direita. Há jogadores para quem esse aspecto é indiferente, mas o Anderson prefere jogar pela direita. Até houve um jogo polémico: na partida com o PSG, mudámos de lado e sofremos dois golos, mas, se tivesse corrido bem, tínhamos sido os dois inteligentes da partida.

Mas decidiram trocar de lado sem ordens superiores?
Sim, quem joga são os jogadores. Naquele momento, falámos e decidimos mudar, por entendermos que era o melhor para a equipa. Infelizmente, aconteceram os dois golos e tivemos de mudar novamente, por ordens do treinador. É verdade que podíamos ter alterado durante o intervalo, mas não considero que tenha sido um erro. Para mim, não foi, mas tivemos o azar de sofrer os dois golos e as pessoas associaram os factos.

Um dos maiores do mundo

Antes de chegar à Luz, David Luiz "já sabia o que era o Benfica", mas só depois de alguns jogos se apercebeu da real grandeza do clube. "Sabia que ia jogar num dos maiores clubes mundiais, mas dou um exemplo: fomos jogar contra o Beira-mar, na minha primeira viagem em Portugal, e pensei que iam estar poucos adeptos do Benfica. Mas parecia o Estádio da Luz, tudo pintado de vermelho! Depois, fomos para os amigáveis no final da época, no Canadá, onde os estádios também estiveram sempre lotados. Isto mostra a grandeza do Benfica, a paixão dos adeptos pelo clube, e sinto-me privilegiado por estar num clube assim", esclarece.

"Podíamos ter vencido o Campeonato"

No jogo decisivo frente ao FC Porto não conseguiram vencer. O que aconteceu?
Não conseguimos vencer. Na primeira parte, não jogamos bem, mas depois passei o segundo tempo todo no meio-campo do FC Porto... Eles não conseguiram sair de lá de trás, mas, apesar de terem estado melhor na primeira parte, a verdade é que também não criaram grandes oportunidades de golo. Estava um jogo muito mastigado a meio-campo. No entanto, na segunda parte estivemos muito bem e devíamos ter vencido. E, se passássemos para a frente, podíamos ter vencido o Campeonato.

FALHANÇO

"Espanhol atrapalhou"

Nessa semana, o Benfica foi também eliminado da Taça UEFA, frente ao Espanhol. Essa semana determinou toda a época?
A segunda partida com o Espanhol de Barcelona, no Estádio da Luz, atrapalhou muito a nossa campanha no Campeonato. O afastamento da Taça UEFA deixou a equipa muito abatida, e tivemos uma série de empates seguidos nessa altura: Braga, Beira-Mar, Sporting, FC Porto… Perdemos muitos pontos, decisivos para a decisão do Campeonato. Agora, olhando para trás, ficamos ainda mais tristes, porque a pior coisa que existe é sentirmos que estamos perto, que temos capacidade, e não conseguirmos lá chegar. Não há pior.

16/7/07 O Jogo

Actualidade: David Luiz fez 90' frente ao Belenenses

David Luiz fez 90' no jogo frente ao Belenenses dia 15/12/07. O jogo acabou numa derrota por 1-0 em Belém.

Nota:
Fez um corte precioso: 66' - Grande corte de David Luiz impedindo o remate de Roncatto em frente a Quim!